22 de junho de 2009

Um elefante incomoda muita gente, aos parisienses incomoda muito mais

Aqui em Paris o lema é: "Vamos reclamar". Não sei se esse espírito insatisfeito foi precursor da Revolução Francesa ou se foi consolidado por ela, mas o fato é que faz parte da cultura parisiense reclamar.

Uma vez um amigo veio nos vistar e em seu último dia aqui passamos por uma passeata sei-la-do-quê. Ele não exitou e disse:
- Opa. Vamos participar também. Afinal, vir a Paris e não fazer parte de uma manifestação é como não ter vindo.

E é assim mesmo. Toda semana tem uma passeata em algum canto da cidade. Se bobear, dia sim, dia não. Por todos os motivos imagináveis: contra o aquecimento global, por melhoria nos transportes públicos, contra a discriminação... E por aí vai.

"Mas é que se agora pra fazer sucesso / Pra vender disco de protesto / Todo mundo tem que reclamar..." (Raul Seixas)

"Ligo o rádio e ouço um chato que me grita nos ouvidos / Pare o mundo que eu quero descer!" (Raul Seixas)

Uma noite dessas, pra lá das 23h, fomos de bicicleta para o Trocadeiro. Lá tem uma vista linda para a Torre Eifel, que fica toda iluminada de amarelo. Mas antes de poder avistar a torre, nos deparamos com uma manifestação de imigrantes de sei lá onde, contra sei lá o que. Achei estranho o local e o horário da manifestação, já que só alguns poucos turistas devem ter tomado conhecimento dela. Semanas depois soube que imigrante (legal ou não) não tem o direito de manifestar por aqui.

É possível identificar facilmente essa insatisfação francesa no dia-a-dia, a começar pela língua. É muito comum os franceses usarem sentenças negativas para se comunicar. Quando eles querem dizer que alguma coisa é boa, interessante ou legal, eles usam a negativa do oposto. Complicou? Vamos lá:

C'est pas mal, cette glace = Esse sorvete não é ruim (querendo dizer que o sorvete é bom!)
c'est pas bonne, cette glace = Esse sorvete não é bom (querendo dizer que o sorvete é ruim!)
c'est pas cher = Isso não é caro (querendo dizer que algo é barato. Nesse caso, essa é a forma mais corriqueira de dizer se algo é caro ou não. Ou é cher ou pas cher. A expressão "bonne marché" - barato - existe, mas acho que pelo desuso a que foi destinada, já-já sai do vocabulário francês)

Acho que a língua serve para expressar quem somos e não que ela faça com que sejamos assim ou assado. Por isso, acredito que essa insatisfação, tão clara nas construções frasais, nada mais é que um modo de externalizar a insatisfação inerente à cada francês

Uma outra característica muito interessante é o "bufar com a boca". Sabe quando a gente está de saco cheio com alguma coisa e para aliviar a pressão interna a gente dá aquela inspirada de quase 10 segundos e ao colocar o ar pra fora (com a boca entre-aberta), os lábios se deixam levar por nossas angústias dissipadas em forma de ar? Pois eles fazem isso em cada frase. Sério: em cada frase! Aos poucos pecebemos que nem sempre eles estão de saco cheio (ou melhor, esvaziando o saco) porque algo realmente aconteceu. Às vezes não aconteceu nada. Simplesmente é assim. E olha, vou te contar que isso pega! Um monte de gente que conheci, que não são franceses, já aderiram ao "bufar com a boca".

Os franceses estão sempre a reclamar de algo, mesmo entre boas gargalhadas, em festas, em rodas de amigos, em pique-niques nos parques. Faça chuva ou faça sol lá está a boa e velha reclamação, como sombra, a os acompanhar. E isso não é nem bom nem ruim. É o jeito deles. E eu, particularmente, dou muita risada.

4 comentários:

Andanhos disse...

Olá, Fernanda.
Eu tenho uma teoria de que é só o tempo começar a esquentar na Europa para os manifestantes saírem às ruas: uns contra alguma coisa numa semana e outros a favor na semana seguinte, mas todos saem.
Brincadeira! E qualquer semelhança é mera coincidência. Hehe...
Realmente ter um consumo consciente faz muita diferença!
Sim, meu nome é francês. É o nome de uma cidade belga e remonta a minhas origens. Quer dizer, como qualquer brasileiro minhas origens são várias e esta é apenas uma delas.
Beijos.

Katherine C.S. disse...

hahaha

adorei o blog!
vou tbm para a zoropa como aupair mes que vem, rs.
e vou smp q eu viajar por la vou de couch ...
adorei as historias ;)

beijocass !!

Henrique Hemidio disse...

Será que sou descendente de franceses?

Andanhos disse...

Olá, Fernanda. Tem um selinho para você em meu blog.
Beijos.